CNJ RECONHECE ILEGALIDADE DA REALIZAÇÃO DE LEILÕES JUDICIAIS POR EMPRESAS

Nesta data de 05/03/2021, o Conselho Nacional de Justiça julgou o Procedimento de Controle Administrativo - 0002997-82.2020.2.00.0000 de forma a determinar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no prazo de 90 (noventa) dias, promova a adequação das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça aos ditames para que seja vedado o credenciamento de instituições públicas ou privadas para a realização de alienações judiciais eletrônicas e assegurando que apenas os leiloeiros devidamente habilitados nas Juntas Comerciais realizem tal atividade.

Determinou, também a possibilidade de designação de oficiais de justiça ou escreventes apenas em situações excepcionalíssimas e desde que o exequente não exerça seu direito de indicação e haja impedimento legal para atuação de todos os leiloeiros públicos credenciados.

A integra do acórdão segue abaixo:

 

 



Conselho Nacional de Justiça
 

 

Autos:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002997-82.2020.2.00.0000

Requerente:

GUSTAVO CRISTIANO SAMUEL DOS REIS e outros

Requerido:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 

VOTO

 

Conforme relatado, os Requerentes se insurgem, em síntese, contra dispositivos das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo que, supostamente, permitem que qualquer empresa ou pessoa física se cadastrem para a prática de leilão judicial por via eletrônica, bem assim que autorizam oficiais de justiça e oficiais de portaria dos auditórios a exercer a atividade privativa dos leiloeiros, nos casos de leilão presencial.

Arguem que tais regras eliminam a exclusividade dos leiloeiros públicos para tais atividades e pugnam por sua adequação a fim de que os leilões judiciais, presenciais ou eletrônicos, se realizem exclusivamente por leiloeiros devidamente habilitados perante as Juntas Comerciais.

Passo à análise de mérito.

 

I – DA ILEGALIDADE DA NORMA QUE USURPA DOS LEILOEIROS PÚBLICOS A COMPETÊNCIA EXCLUSIVA PARA REALIZAÇÃO DE ALIENAÇÃO JUDICIAL POR MEIO ELETRÔNICO

O novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015) atribuiu ao Conselho Nacional de Justiça a competência para a regulamentação da alienação judicial por meio eletrônico, na forma preconizada pelo art. 882, §1º. Verbis:

“Art. 882.  Não sendo possível a sua realização por meio eletrônico, o leilão será presencial.

§ 1º A alienação judicial por meio eletrônico será realizada, observando-se as garantias processuais das partes, de acordo com regulamentação específica do Conselho Nacional de Justiça.

§ 2º A alienação judicial por meio eletrônico deverá atender aos requisitos de ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas na legislação sobre certificação digital.

§ 3º O leilão presencial será realizado no local designado pelo juiz.” (grifei) 

 

Assim, após deliberação do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria 64, 24 de junho de 2015 para o desenvolvimento de estudos sobre o alcance das modificações trazidas pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, bem assim a realização de Consulta Pública, foi aprovada pelo Plenário desta Casa a Resolução CNJ n. 236, de 13 de julho de 2016.

Segundo consta no voto condutor, capitaneado pelo então Conselheiro Carlos Eduardo Oliveira Dias:

“(...) a proposta debatida e concluída pelo Grupo dedicou-se a disciplinar alguns atributos relacionados aos leiloeiros judiciais e corretores, bem como as suas responsabilidades e os pressupostos para a formação dos cadastros pelos tribunais. De igual forma, estruturou capítulo para dispor especificamente sobre o leilão eletrônico e para os registros eletrônicos da penhora.” (CNJ - ATO - Ato Normativo - 0002842-21.2016.2.00.0000 - Rel. CARLOS EDUARDO DIAS - 16ª Sessão Virtual - julgado em 05/07/2016) 

 

A Resolução em comento traz importantes parâmetros para a execução das atividades dos leiloeiros públicos e que importam para o deslinde da presente demanda. Vejamos:

“Art. 1º Os leilões judiciais serão realizados exclusivamente por leiloeiros credenciados perante o órgão judiciário, conforme norma local (art. 880, caput e § 3º), e deverão atender aos requisitos da ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas na legislação sobre certificação digital.

(...)

Art. 2º Caberá ao juiz a designação (art. 883), constituindo requisito mínimo para o credenciamento de leiloeiros públicos e corretores o exercício profissional por não menos que 3 (três) anos, sem prejuízo de disposições complementares editadas pelos tribunais (art. 880, § 3º).

(...)

Art. 4º O credenciamento de novos leiloeiros e corretores públicos será realizado por meio de requerimento dos interessados, conforme procedimento definido pelo Tribunal correspondente.

(...)

Art. 9º Os leiloeiros públicos credenciados poderão ser indicados pelo exequente, cuja designação deverá ser realizada pelo juiz, na forma do art. 883, ou por sorteio na ausência de indicação, inclusive na modalidade eletrônica, conforme regras objetivas a serem estabelecidas pelos tribunais.

(...)

Art. 10. Os tribunais brasileiros ficam autorizados a editar disposições complementares sobre o procedimento de alienação judicial e dispor sobre o credenciamento dos leiloeiros públicos de que trata o art. 880, § 3º, do Código de Processo Civil, observadas as regras desta Resolução e ressalvada a competência das unidades judiciárias para decidir questões jurisdicionais.
 

Parágrafo único. Os leilões eletrônicos deverão ser realizados por leiloeiro credenciado e nomeado na forma desta Resolução ou, onde não houver leiloeiro público, pelo próprio Tribunal (art. 881, § 1º).

(...)” (grifei) 

 

Por sua vez, o Decreto n. 21.981, de 19 de outubro de 1932, que regula a profissão de leiloeiro, estabelece os requisitos para o exercício da atividade:

“Art. 1º A profissão de leiloeiro será exercida mediante matricula concedida pelas juntas Comerciais, do Distrito Federal, dos Estados e Território do Acre, de acordo com as disposições deste regulamento.

Art. 2º Para ser leiloeiro, é necessário provar:

a) ser cidadão brasileiro e estar no gozo dos direitos civis e políticos;

b) ser maior de vinte e cinco anos;

c) ser domiciliado no lugar em que pretenda exercer a profissão, há mais de cinco anos;

d) ter idoneidade, comprovada com apresentação de caderneta de identidade e de certidões negativas dos distribuidores, no Distrito Federal, da Justiça Federal e das Varas Criminais da Justiça local, ou de folhas corridas, passadas pelos cartórios dessas mesmas Justiças, e, nos Estados e no Território do Acre, pelos Cartórios da Justiça Federal e Local do distrito em que o candidato tiver o seu domicílio.

Apresentará, também, o candidato, certidão negativa de ações ou execuções movidas contra ele no foro civil federal e local, correspondente ao seu domicílio e relativo ao último quinquênio.

(...)

Art. 11. O leiloeiro exercerá pessoalmente suas funções, não podendo delegá-las, senão por moléstia ou impedimento ocasional em seu preposto.

(...)

Art. 19. Compete aos leiloeiros, pessoal e privativamente, a venda em hasta pública ou público pregão, dentro de suas próprias casas ou fora delas, inclusive por meio da rede mundial de computadores, de tudo que, por autorização de seus donos por alvará judicial, forem encarregados, tais como imóveis, móveis, mercadorias, utensílios, semoventes e mais efeitos, e a de bens móveis e imóveis pertencentes às massas falidas, liquidações judiciais, penhores de qualquer natureza, inclusive de jóias e warrants de armazéns gerais, e o mais que a lei mande, com fé de oficiais públicos.

(...)

Art. 36. É proibido ao leiloeiro:

a) sob pena de destituição:

1º, exercer o comércio direta ou indiretamente no seu ou alheio nome;

2º, constituir sociedade de qualquer espécie ou denominação;

3º, encarregar-se de cobranças ou pagamentos comerciais;

b) sob pena de multa de 2:000$000:

Adquirir para si, ou para pessoas de sua família, coisa de cuja venda tenha sido incumbido, ainda que a pretexto de destinar-se a seu consumo particular.

Parágrafo único. Não poderão igualmente os leiloeiros, sob pena de nulidade de todos os seus atos, exercer a profissão nos domingos e dias feriados nacionais, estaduais ou municipais, delegar a terceiros os pregões, nem realizar mais de dois leilões no mesmo dia em locais muito distantes entre si, a não ser que se trate de imóveis próximos ou de prédios e móveis existentes no mesmo prédio, considerando-se, nestes casos, como de um só leilão os respectivos pregões.” (grifo nosso) 

 

Assentadas as premissas normativas, é de se ver que os leiloeiros são profissionais liberais, capacitados e habilitados para o trabalho de venda de bens a partir da realização de um pregão. Quando atuam em leilões judiciais, são agentes delegados, que gozam de fé pública e responsabilizam-se pessoalmente por danos causados durante a atividade (leiloeiros públicos).

Trata-se, portanto, de atividade exercida de forma pessoal e privativa.

Nesse cenário, assiste razão aos Requerentes quando apontam ilegalidade nas Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo no ponto questionado.

Com efeito, a destacada norma prevê no Tomo I – Ofícios de Justiça:

Dos Auxiliares da Justiça Não Serventuário

Art. 35. A prestação de serviços por peritos, tradutores, intérpretes, administradores, administradores judiciais em falências e recuperações judiciais, liquidantes, inventariantes dativos, leiloeiros e outros auxiliares da Justiça Estadual observará o disposto nesta Seção.

(...)

§ 4º O juiz poderá selecionar profissionais de sua confiança, entre aqueles que estejam regularmente cadastrados no Portal de Auxiliares da Justiça, para atuação em sua unidade jurisdicional, devendo, entre os selecionados, observar o critério equitativo de nomeação em se tratando de profissionais da mesma especialidade. (...)

Art. 36. O Tribunal de Justiça desenvolverá e disponibilizará portal próprio na rede mundial de computadores para o cadastramento dos interessados e na Intranet para anotações das nomeações e demais intercorrências.

(...)

§ 11 Para os tradutores, intérpretes e leiloeiros, é obrigatória a indicação de matrícula perante a Junta Comercial.

(...)

Do Leilão Eletrônico (CPC, art. 882)

Art. 250. Os ofícios de justiça realizarão, preferencialmente, a alienação judicial eletrônica de bens móveis e imóveis observadas as regras desta seção.

Art. 251. Poderão realizar alienação judicial eletrônica, as entidades públicas ou privadas e as pessoas físicas previamente cadastradas no Portal de Auxiliares da Justiça, conforme os critérios definidos no artigo 36.

§ 1º (Revogado)

§ 2º Dispensa-se a exigência de leiloeiros no certame, inexistindo, porém, qualquer óbice à habilitação dos mesmos para a realização das alienações, nos termos do caput deste artigo, observando-se que a remuneração fixada nesta subseção não poderá sofrer qualquer acréscimo.

Art. 252. O interessado em participar da alienação judicial eletrônica deverá se cadastrar previamente no sítio eletrônico na internet em que se desenvolverá a alienação. Questões incidentais a respeito serão submetidas a apreciação judicial.

Art. 253. O cadastramento é gratuito e requisito indispensável para a participação na alienação judicial eletrônica.

Art. 254. Caberá ao leiloeiro público, gestor do sistema de alienação judicial eletrônica (entidades ou pessoas físicas credenciadas na forma do art. 251) a definição dos critérios de participação na alienação judicial eletrônica com o objetivo de preservar a segurança e a confiabilidade dos lanços.

(...)

Art. 259. O leiloeiro público suportará os custos e se encarregará da divulgação da alienação, observando as disposições legais e as determinações judiciais a respeito.

(...)

Art. 274. Serão de exclusiva responsabilidade do leiloeiro público os ônus decorrentes da manutenção e operação do site disponibilizado para a realização das alienações judiciais eletrônicas, não cabendo ao Tribunal de Justiça de São Paulo nenhuma responsabilidade penal, civil, administrativa ou financeira pelo uso do site, do provedor de acesso ou pelas despesas de manutenção do software e do hardware necessários à colocação do sistema de leilões on-line na Rede Mundial de Computadores.

(...)

Art. 276. A estrutura física de conexão externa de acesso e segurança ao provedor é de inteira responsabilidade do leiloeiro público.”

 

A título exemplificativo, confira-se como são cadastradas as pessoas físicas e jurídicas no Portal de Auxiliares da Justiça do TJSP[1]:

 


 


 

 

Ao permitir que entidades públicas ou privadas realizem alienação judicial eletrônica, a norma da Corregedoria-Geral da Justiça paulista contraria todo o arcabouço normativo acerca da matéria e usurpa a exclusividade que foi atribuída aos leiloeiros públicos para a realização das alienações judiciais eletrônicas.

Importante sobrelevar, em princípio, que a possibilidade de cadastramento e participação de empresas em leilões judiciais eletrônicos foi suplantada pelo atual CPC.

Note-se que o Diploma Processual Civil anterior estabelecia:

Art. 689-A. O procedimento previsto nos arts. 686 a 689 poderá ser substituído, a requerimento do exeqüente, por alienação realizada por meio da rede mundial de computadores, com uso de páginas virtuais criadas pelos Tribunais ou por entidades públicas ou privadas em convênio com eles firmado.

Parágrafo único. O Conselho da Justiça Federal e os Tribunais de Justiça, no âmbito das suas respectivas competências, regulamentarão esta modalidade de alienação, atendendo aos requisitos de ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas na legislação sobre certificação digital. (grifo nosso) 

 

Há informações de que, na operacionalização dos credenciamentos de leiloeiros, a grande maioria dos Tribunais optaram por credenciar empresas gestoras de leilão eletrônico, com amparo no artigo 689-A do CPC [então] vigente, exigindo que tais empresas apresentassem, por ocasião do credenciamento, o nome do leiloeiro oficial que atuaria na realização dos leilões judiciais eletrônicos.”[2] 

Todavia, conforme redação do art. 882 do novo CPC, anteriormente transcrita, essa possibilidade foi extinta, deixando a cargo do Conselho Nacional de Justiça a regulamentação específica.

E, como se viu, este Conselho reafirmou em sua Resolução o caráter privativo da atividade.

Note-se que no curso da 16ª Sessão do Plenário Virtual, na qual foi aprovado o referido Ato Resolutivo, o então Conselheiro Emmanoel Campelo se manifestou no seguinte sentido:

Considerando que a legislação vigente não ofereceu tratamento próprio às empresas que gerenciarão o leilão eletrônico e seu sistema, entende-se necessário que esta Resolução mencione a atuação das Gestoras.[3] (grifo no original)

 

Diante disso, apresentou proposta de nova redação a diversos artigos, sendo ilustrativo que se transcreva apenas a sugerida para o art. 1º:

“Art. 1º Os leilões judiciais serão realizados por entidades públicas e privadas (gestoras) habilitadas perante o órgão judiciário, acompanhadas por leiloeiro devidamente credenciado em Junta Comercial, conforme norma local (art. 880, caput e § 3º), e deverão atender aos requisitos da ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas na legislação sobre certificação digital.” (grifei) 

 

Não obstante, a teor da Certidão de Julgamento lançada pela Secretaria Processual do CNJ, o Conselheiro Emmanoel Campelo restou vencido parcialmente, não havendo dúvidas de que a opção do Colegiado foi pela exclusividade de realização dos leilões judiciais por leiloeiros credenciados, conforme expressamente consta no art. 1º da Resolução CNJ n. 236:

“Art. 1º Os leilões judiciais serão realizados exclusivamente por leiloeiros credenciados perante o órgão judiciário, conforme norma local (art. 880, caput e § 3º), e deverão atender aos requisitos da ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas na legislação sobre certificação digital.” (grifei)

 

Vale colacionar o exemplo de Tribunais que editaram disposições complementares consentâneas com a Resolução CNJ n. 236.

Ao regulamentar “o credenciamento de leiloeiros públicos e corretores para a realização de leilão judicial, nas modalidades eletrônica, presencial e simultânea, bem como de alienação particular”, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios estabeleceu acertadamente a exigência de habilitação apenas de pessoas físicas, nos termos da Portaria GC n. 188 de 11 de novembro de 2016.

Assim, na aba “Leiloeiros credenciados - art. 879 e ss do CPC” consta[4]:

 

De igual forma, no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, a Resolução n. 882/2018, do Órgão Especial, estabelece expressamente[5]:

“Art. 16. Não será admitido o credenciamento de empresas de tecnologia ou de instituições para realização do leilão eletrônico, nos termos do que dispõe o art. 19 do Decreto nº 21.981, de 19 de outubro de 1932, podendo tais empresas, no entanto, ter seus sistemas habilitados pelo TJMG, para uso pelos leiloeiros credenciados.

Art. 17. Será disponibilizada no Portal do TJMG a lista contendo o nome dos profissionais e órgãos credenciados.” (grifei)

 

Com efeito, a Lista indica apenas pessoas físicas:

 

Por fim, insta destacar o aviso constante no sítio de internet da Junta Comercial do Estado de São Paulo[6]:

 

A ilegalidade dos dispositivos impugnados das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo é patente.

Ao mesmo tempo em que afirma que a interpretação da norma deve ser sistêmica, que “não há dispensa do leiloeiro para a realização da alienação judicial” e que, em “se tratando de leilão exclusivamente eletrônico, a presença é dispensada, mas não a atuação do leiloeiro público, único apto a realizar a alienação judicial eletrônica, conforme diretrizes estabelecidas pelo CNJ e Código de Processo Civil” (grifo nosso), o TJSP revela que a realização do leilão por entidades públicas ou privadas somente será “autorizada, caso o quadro societário conte com a presença de um leiloeiro público com registro perante a Junta Comercial (grifo nosso)

Além de serem ilegais, as disposições das Normas da Corregedoria citadas fragilizam o sistema protetivo e punitivo imposto pelo Decreto n. 21.981/1932, pelo CPC e pela Resolução CNJ n. 236.

A apuração de responsabilidades e a atuação da Junta Comercial, do juiz e do próprio Tribunal ficam comprometidas. Questiona-se: nos casos em que se permitiu o credenciamento de empresa, quem é o leiloeiro supostamente responsável? Qual é o número de sua matrícula na Junta Comercial? A gestão do sistema de alienação judicial eletrônica é exercida pelo leiloeiro, pela empresa credenciada ou por empresa diversa?

De todo o exposto, não restam dúvidas quanto à necessidade de o Tribunal requerido promover a adequação das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo aos ditames legais, vedando o credenciamento de instituições públicas ou privadas para a realização de alienações judiciais eletrônicas e assegurando que apenas os leiloeiros devidamente habilitados nas Juntas Comerciais realizem tal atividade.

 

II – DA ATUAÇÃO EXCEPCIONALÍSSIMA DE OFICIAIS DE JUSTIÇA E ESCREVENTES EM LEILÕES PRESENCIAIS

O segundo ponto de impugnação dos Requerentes cinge-se à alegação de que, ao dispor que apenas os oficiais de justiça ou escreventes realizarão os leilões presenciais, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo mais uma vez incide em ilegalidade, usurpando a atribuição exclusiva dos leiloeiros para fazê-lo.

Vale transcrever os dispositivos impugnados:

Do Ofício da Portaria dos Auditórios e dos Leilões Presenciais

Art. 282 - No Foro Central da Comarca da Capital funcionará o Ofício dos Leilões Públicos com a finalidade de realizar os leilões presenciais das varas centrais da Comarca da CapitalOs escreventes nele lotados sempre apregoarão os leilões nos casos em que não houver indicação de leiloeiro pelas partes ou houver impedimento legal para atuação destes.

§ 1º Nas demais Comarcas e varas os leilões serão realizados por oficiais de justiça, sob fiscalização do juiz.

§ 2º O leilão presencial será realizado, no Foro Central da Comarca da Capital, pelo Ofício da Portaria dos Auditórios e dos Leilões Presenciais, se outro local não houver sido designado pelo juiz (CPC, art. 882, §3º).

§ 3º A designação de leiloeiro público (CPC, art. 883 e 884), caberá ao juiz, que poderá acolher indicação do exequente.

(...)

DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA

(...)

Art. 994. Incumbe ao oficial de justiça:

(...)

V – ressalvadas as atribuições do Ofício de Portaria dos Auditórios e das Hastas Públicas, realizar, sob a fiscalização do juiz, quando as partes não exercerem o direito de escolha do leiloeiro, ou houver impedimento legal para a atuação destes, os leilões judiciais, passando as respectivas certidões;

(...)

Art. 1.089. Onde não houver ofício da portaria dos auditórios e dos leilões judiciais, os leilões serão realizados, segundo escala previamente elaborada, pelos oficiais de justiça plantonistas, sob a fiscalização do juiz de direito do feito.” (grifo nosso)

 

Em suas informações, o TJSP alegou que a autorização para a realização do leilão pelo Oficial de Justiça não é a regra. Ao contrário, sua aplicação é subsidiária apenas quando não for possível a indicação do leiloeiro público.

Não obstante, mais uma vez se constata a necessidade de adequação da norma.

O novo Código de Processo Civil estabelece:

Art. 879. A alienação far-se-á:

I - por iniciativa particular;

II - em leilão judicial eletrônico ou presencial.

Art. 880. Não efetivada a adjudicação, o exequente poderá requerer a alienação por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor ou leiloeiro público credenciado perante o órgão judiciário.

(...)

§ 3º Os tribunais poderão editar disposições complementares sobre o procedimento da alienação prevista neste artigo, admitindo, quando for o caso, o concurso de meios eletrônicos, e dispor sobre o credenciamento dos corretores e leiloeiros públicos, os quais deverão estar em exercício profissional por não menos que 3 (três) anos.

§ 4º Nas localidades em que não houver corretor ou leiloeiro público credenciado nos termos do § 3º, a indicação será de livre escolha do exequente. (grifei)

 

Com efeito, a regra é transparente, não cabendo ao Tribunal, tampouco ao juiz, extrapolar a disposição processual e nomear oficiais de justiça ou escreventes para a prática dos atos privativos de leiloeiro.

Ademais, conforme amplamente explanado no item anterior, toda a sistemática normativa foi construída a partir da regulamentação da profissão de leiloeiro realizada pelo Decreto n. 21.981/1932, que impõe requisitos bastante claros para o exercício da profissão, restando patente que: i) o leiloeiro deve ser pessoa física, matriculada na Junta Comercial; ii) deve prestar fiança para fazer frente às dívidas decorrentes de multas e demais responsabilidades; iii) deve exercê-la pessoal e privativamente.

Note-se que todas essas condições são incompatíveis com as atribuições de oficiais de justiça e de escreventes, servidores públicos que possuem atribuições e vedações específicas.    

Assim, apenas excepcionalmente, quando o exequente não exercer seu direito de indicação e quando houver impedimento legal para atuação dos leiloeiros públicos credenciados, poderia se admitir a designação de servidores públicos para a realização de leilões judiciais presenciais.

Todavia, não se cogita que tal situação possa ser constatada na prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, diante do quantitativo de leiloeiros credenciados.

Destarte, impõe-se a adequação das Normas de Serviço  da  Corregedoria-Geral  da  Justiça do Estado de São Paulo aos  ditames  legais, prevendo a possibilidade de designação de oficiais de justiça ou escreventes apenas em situações excepcionalíssimas e desde que o exequente não exerça seu direito de indicação e haja impedimento legal para atuação de todos os leiloeiros públicos credenciados.

 

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o presente Procedimento de Controle Administrativo para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, no prazo de 90 (noventa) dias, promova a adequação das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça aos ditames  legais:

i) vedando o credenciamento de instituições públicas ou privadas para a realização de alienações judiciais eletrônicas e assegurando que apenas os leiloeiros devidamente habilitados nas Juntas Comerciais realizem tal atividade;

ii) prevendo a possibilidade de designação de oficiais de justiça ou escreventes apenas em situações excepcionalíssimas e desde que o exequente não exerça seu direito de indicação e haja impedimento legal para atuação de todos os leiloeiros públicos credenciados.

É como voto.

Após as comunicações de praxe, reautem-se como procedimento de Acompanhamento de Cumprimento de Decisão.

À Secretaria Processual para as providências. 

Brasília-DF, data registrada no sistema.

 

FLÁVIA PESSOA

Conselheira

 

Sindicato dos Leiloeiros Oficiais do Estado do Rio Grande do Sul - SINDILEI-RS
E-mail: [email protected]
Telefone: (51) 3261-8676
Endereço: Rua Dom Pedro, nº 548-A - Centro
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